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A Grande Extinção: Como a China enterrou centenas de fabricantes de automóveis

China

“Fiquei chocado”, declarou Maxime Picat, diretor da Stellantis para a Ásia, ao descrever o colapso das construtoras ocidentais na China. O desabafo ecoou por toda a Europa e resume uma crise ainda mais profunda: o desaparecimento em massa de fabricantes chinesas de veículos elétricos (EVs). Impulsionadas por subsídios e ambições globais, mais de 500 startups surgiram nas últimas décadas. Hoje, estima-se que 90% faliram, foram absorvidas ou estão em agonia terminal, deixando para trás fábricas fantasmas e “cemitérios de carros”.

Um cenário da carnificina industrial?

Saturação insustentável: O governo chinês incentivou a criação de centenas fabricantes de EVs para dominar a nova indústria global. O resultado? Capacidade para produzir até cinco vezes mais veículos do que a procura real…! Nanjing, epicentro do boom elétrico, abriga 30 fábricas abandonadas – uma delas, da Yinlong, consumiu 1,6 mil milhões de dólares para nunca operar.

A BYD, líder de mercado, desencadeou uma guerra de preços agressivos para eliminar concorrentes. Empresas como a Evergrande New Energy Auto chegaram a perder fortunas por veículo vendido. A Neta, outra marca a operar no ocidente, viu suas vendas despencarem 98% em janeiro de 2025.

Da glória ao colapso

Neta: o símbolo da crise. Após vender 60.000 unidades em 2024, demitiu todo o seu departamento de P&D, enfrenta 400 disputas judiciais e credores acampados na sua sede. O plano de sobrevivência? Apostar no Brasil e Tailândia – onde vendeu apenas 129 carros em abril de 2025…

Entre as causas apontadas pelos principais especialistas do setor, os subsídios mal direcionados. Províncias inteiras financiaram fábricas sem estudos de impacto reais. Mas também o modelo de negócio: startups dependiam de terceiros para design e produção, sem nenhum controlo sobre custos ou tecnologia.

Tudo a somar a estratégia dos “gigantes” que sufocaram os rivais com descontos, tornando insustentável a operação de pequenos players. Ou à falta de inovação real: marcas (como Yuanhang) ofereciam carros com “designs genéricos e interiores medíocres”.

Alguns estudos atribuem culpas também ao fenómeno das vendas diretas, modelo que a Europa tende a importar. Na China, os fabricantes cortaram com o número de concessionárias, mas falharam em substituir sua rede de serviços – crucial para a confiança do consumidor.

Cemitérios de EVs 

Terrenos em Xangai e Pequim acumulam milhares de carros abandonados, muitos de empresas que faliram sem usar os veículos.

Um levantamento publicado pela empresa EVboosters, referência no setor da mobilidade elétrica, entre 2018 e 2025, 400 fabricantes chineses de veículos elétricos cessaram operações. Eis alguns nomes relevantes que colapsaram ou saíram do mercado:

  1. HiPhi (Human Horizons) – Produção paralisada em 2024 devido a problemas financeiros e operacionais.

  2. WM Motor – Entrou em processo de falência após não conseguir capital e perder confiança de investidores.

  3. Byton – Encerrou atividades antes de iniciar produção em massa, por turbulência interna e superextensão.

  4. Singulato Motors – Uma das marcas pioneiras que desapareceu rapidamente sob pressão financeira.

  5. LeEco EV – Colapsou devido a dívidas massivas associadas à sua empresa-mãe tecnológica.

  6. Levdeo – Não conseguiu transitar de veículos elétricos de baixa velocidade para modelos de dimensão normal.

  7. Bordrin Motors – Declarada falida em 2021 após choques da COVID dizimarem a procura.

  8. Saleen China – Projeto colapsado em meio a escândalos financeiros e legais.

  9. Qiantu Motors – Não escalou o seu carro desportivo elétrico K50 para volumes sustentáveis.”

O que se questiona agora é o risco de um efeito dominó financeiro. Veja-se a crise com risco de falência da Neta, que arrastou 90 processos de execução e uma cadeia de fornecedores não pagos. 

Lições para o futuro? Especialistas acreditam que apenas marcas com escala global (BYD), inovação real (NIO) ou parcerias estratégicas (Leapmotor, apoiada pela Stellantis) resistirão. Agora é o próprio governo chinês  promove uma consolidação forçada, reduzindo subsídios e pressionando fusões. E a pergunta é: irá a Europa a tempo de reposicionar-se?

Fontes: EVBoosters/CAAM – China Association of Automobile Manufacturers/Bloomberg/InsideEVs/Automobility Ltd

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