O boom dos veículos elétricos na China, impulsionado por uma década de incentivos estatais, enfrenta agora um dos seus maiores desafios: a gestão de uma maré crescente de baterias em fim de vida. Com centenas de milhares de unidades a precisar de uma solução, o país vê-se perante a urgência de estruturar uma cadeia de reciclagem que dê resposta a um problema de escala monumental.
A transição elétrica acelerou de forma vertiginosa. O que era um nicho há alguns anos transformou-se na norma, com veículos a bateria a representar a grande maioria das novas vendas. Esta revolução, porém, tem um custo ambiental adiado: as baterias de iões de lítio, coração destes veículos, perdem capacidade com o tempo. Quando o desempenho cai abaixo de 80%, muitos proprietários consideram a sua substituição, gerando um fluxo contínuo de resíduos complexos.
Estimativas apontam para que, anualmente, se acumulem na China centenas de milhares de toneladas destas baterias, um volume projetado para ultrapassar o milhão de toneladas antes de 2030. Este tsunami de material, valioso mas potencialmente perigoso, está a pressionar um setor de reciclagem ainda em consolidação, dividido entre operações formais e um vasto mercado paralelo.
Perante uma bateria retirada, dois caminhos principais são possíveis: o reaproveitamento para aplicações menos exigentes, como armazenamento de energia estacionária, ou a desconstrução total para recuperação de metais críticos como lítio, cobalto e níquel. Ambos os processos exigem tecnologia, investimento e rigorosos controlos de segurança e ambientais, custos que muitas pequenas oficinas informais optam por ignorar.
Este mercado não regulado, que compra baterias a preços mais altos, opera frequentemente à margem da lei. Procedimentos rudimentares de desmontagem podem levar à contaminação do solo e de lençóis freáticos com metais pesados e eletrólitos, além de representarem graves riscos de incêndio. A água contaminada do processo é, muitas vezes, simplesmente despejada no sistema de esgotos.
Em resposta, o governo chinês tem procurado formalizar o setor, publicando listas de recicladoras autorizadas e estabelecendo regras. No entanto, a capacidade instalada destas unidades certificadas ainda está longe de conseguir processar todo o volume gerado. Paralelamente, os gigantes da indústria – desde fabricantes de automóveis a produtores de baterias como a CATL e a BYD – estão a desenvolver os seus próprios programas de recolha e reutilização, buscando criar um circuito fechado para os materiais.
A instabilidade do setor, porém, complica o panorama. Centenas de startups de veículos elétricos já faliram, deixando para trás veículos e baterias sem uma rede de apoio clara da marca. Especialistas defendem que a solução passará obrigatoriamente por um sistema nacional robusto, capaz de rastrear cada bateria desde a produção até ao seu desfecho final, garantindo que é encaminhada para canais adequados de reaproveitamento ou reciclagem.
O sucesso da China na eletrificação do transporte rodoviário é inegável. O próximo capítulo da sua liderança dependerá de como resolverá o dilema logístico e ambiental que esse mesmo sucesso criou: transformar uma montanha de resíduos problemáticos num pilar de uma verdadeira economia circular.
